terça-feira

D01.04:20

Tudo fechado. Não encontrei um único sítio onde pudesse repousar e reflectir. Talvez um bar não fosse o local ideal... principalmente de madrugada. Confesso que estar rodeado por um conjunto de homens alcoolizados não me parece ser o ambiente ideal para pensar, nomeadamente numa noite como esta.
Chego ao fim da avenida. Uma igreja. Há anos que não entro numa igreja sem ser para cerimónias de casamento. A maioria dos meus amigos e amigas já encontrou alguém para os acompanharem o resto da vida ou pelo menos essa é a intenção inicial. Mas eu não... devo ter tido azar. Todas as relações que tive foram sempre incompletas, sempre algo em falta. Penso que a culpa não terá sido inteiramente minha, embora em alguns casos tenha sido de facto. Talvez seja este o meu percurso... acidentado e instável. Por enquanto tenho conseguido um equilíbrio relativo que me permitiu estar bem sózinho e aberto a qualquer relação futura.
Alguém entrou para a igreja. Não sabia que as igrejas estavam abertas a esta hora. Se calhar não devia. Decido entrar também. Um lugar calmo, vazio, sossegado e que apela à relfexão... parece-me ideal para este momento. A porta é pesada e o ranger ecoa pelo amplo interior. Ao entrar sinto-me pequeno, diminuído... é uma igreja antiga, semelhante a tantas outras. Algumas velas iluminam algumas imagens de santos... não reconheço nenhum. A imagem de Cristo crucificado parece-me incrivelmente pacífica. Não o vejo martirizado. Não vejo dor. Vejo descanso e rendição.
Sento-me numa das últimas filas, no lado de fora. A igreja está completamente vazia. "Onde estará a pessoa que vi entrar, momentos atrás?" pensei. Talvez esteja dentro de alguma das salas da igreja. Sei que existem outras divisões... só não sei para quê em concreto. Até pode ser que existam umas catacumbas onde se reúnem conspiradores de uma ordem secreta, planeando derrubar o governo... Não consigo evitar um sorriso com este último pensamento. Acho que já não sorria há algum tempo. As coisas no emprego têm estado complicadas. A competição é cada vez maior e os prazos parecem diminuir cada vez mais. Este tempo de descanso que estou a perder, de certeza que o vou ressentir amanhã, quando enfrentar as mesmas gravatas, os mesmos fatos e os mesmos rostos de todos os dias. Este é o preço da estabilidade financeira: um rotina que nos destrói lentamente. Quando nos apercebemos estamos a lutar para que passem os últimos três anos antes da reforma.
"O que se está a passar?". Desde que encontrei aquela prostituta que esta questão ganhou uma nova dimensão. Apesar da minha mente se perder por outras divagações, esta pergunta tem estado constantemente presente. Tem sido o feedback por detrás de toda a actividade cerebral. Tem sido o que me move. Primeiro um som, que não consegui identificar, desperta-me, depois um insecto que se evapora por completo, uma mulher que tenta comunicar comigo e depois também desaparece e por fim uma prostituta que parece saber o que eu estou a viver e, mais estranho ainda, compreende. Nada disto tem lógica. Nada disto é racional. E esta terrível insónia... Se ao menos pudesse adormecer, talvez no dia seguinte, com o erguer do sol, tudo parecesse mais simples, mais claro, mais... normal. Escravo da rotina. Verguei-me.

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