sábado

D01.00:26

Não consigo compreender aquilo que acabou de acontecer. Começo a duvidar da minha lúcidez, da exactidão da minha percepção naquele momento. Afinal, tinha acabado de despertar abruptamente. Os meus olhos estavam afectados pela intensa luz da lâmpada fosforescente. Posso ter imaginado... tudo pode ter sido vestígios de um qualquer sonho interrompido. Estas parecem-me ser as explicações mais lógicas para o que se sucedeu. Não consigo conceber que aquele pequeno insecto tenha fixado o olhar em mim e tenha depois desaparecido daquela forma.
O som. O barulho que me acordou não pode ter sido causado pela barata. É impossível que um animal daquele tamanho consiga provocar um ruído tão intenso. Foi algo semelhante a uma velha porta de madeira a fechar. Não com demasiada força. Apenas a quantidade exacta para que fechasse devidamente e vencesse as teimosas dobradiças. Uma barata não conseguiria provocar este som. Talvez se fossem centenas de baratas. Nesse caso admito ser possível, mas a ideia de centenas de baratas juntarem-se na minha cozinha numa conspiração ou algo semelhante parece-me completamente ridícula, mesmo estando tão pouco lúcido como agora estou. Algo aconteceu. Tenho a certeza disso. Normalmente não acordo durante a noite. São raras as vezes em que o meu sono é interrompido. Não tenho um sono pesado, mas durmo bastante bem se nada de extraordinário acontecer. A rua onde vivo tem algum movimento durante a noite, talvez seja por isso que estou imune a um determinado nível de ruído. Creio que numa situação normal o som que me despertou não teria tido sucesso.
Encontro-me naquele estado em que não consigo pensar em algo concreto. Um turbilhão de pensamentos revolvem-me a mente. Penso no que acabou de acontecer, nas baratas na minha cozinha, no jogo que vi à noite, na mulher morena de olhos azuis que me sorriu na padaria, hoje de manhã. Penso na tarde que passei no Jardim Zoológico quando tinha dez anos, no elevador que ficou dez minutos parado no terceiro andar e no cheiro a sardinhas assadas que infestava o corredor... Quando me sinto assim sei que eventualmente, depois do caos mental, irei adormecer. Mas hoje algo está diferente. O caos está lá, mas sou incapaz de me deixar levar. Sinto-me completamente desperto e atento. Os meus olhos já se habituaram completamente à escuridão. Consigo discernir os contornos da cama, da secretária, do guarda-roupa, do quadro na parede, da aparelhagem... consigo ouvir os passos nocturnos numa noite ainda jovem, o ruído do motor dos carros, algumas vozes desconhecidas a conversarem sossegadamente... tenho que me levantar de novo e procurar alguma pista, algum indício do que poderá ter provocado o barulho que me acordou. O meu descanso depende disso. A minha sanidade.

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