terça-feira

D01.05:56

"Deviam ser umas seis e meia, hora de ponta. A estação estava cheia. Os bancos estavam todos ocupados e o espaço até à linha amarela estava quase todo preenchido. Eu estava sentada ao lado de um senhor idoso com uma cara amorosa, com uma expressão adorável de avô. Quando me sentei ao lado dele não consegui evitar um sorriso, tendo ele sorrido reciprocamente. Lembro-me de passarem duas crianças à minha frente, um rapaz e uma rapariga, com uns seis anos no máximo. O velhote sorriu-lhes também e eles continuaram de mão dada, aos saltos, até ao fim da estação. Sentia-me mesmo bem naquele momento. Ouve-se o toque que anuncia a chegada do metropolitano. Alguma agitação. O velhote levanta-se e caminha em direcção à linha. Queria sentar-me ao lado dele na carruagem, mas o mais provável era já não conseguir lugar, pensei. Ele pára perto da linha amarela e fica a olhar fixamente para o outro lado, para o cartaz de publicidade a um iogurte qualquer. Começa a ouvir-se o metro a chegar e o chão estremece um pouco. Ele parece perguntar as horas a uma rapariga que está ao lado dele. Ela responde prontamente e com um sorriso. Já se vê a frente do metropolitano. Quando as carruagens passam pelo velhote, ele salta. Não foi bem um salto, foi mais um longo passo. Ouvem-se os travões, um estridente som que ainda agora sinto nos meus ouvidos. Fiquei pasmada, aterrorizada, paralisada. O metro parou. Vários gritos por toda a estação. Várias pessoas gritando "Ele saltou! Ele saltou!". Não me mexi. Instalou-se o pânico à minha volta. Levantei-me. Tirei o passe da carteira. Subi as escadas rolantes. Passaram por mim, apressados, alguns funcionários do metro. Passei o passe pelo sistema de saída. Saí da estação. Entrei num táxi e disse: "Leve-me para casa." Não disse mais nada até ao telefonema que fiz para ti."
Não sabia o que dizer. Toda aquela história parecia irreal, saída de um filme. Mas não era um filme, não era ficção. Agora compreendo o porquê do telefonema a meio da noite. Pensei que ela tivesse tido outra discussão com o namorado como tantas outras vezes... demasiadas vezes. Até tinha preparado o meu discurso de consolação. Agora, estou sem palavras.
"Nada é o que parece. Aquele velhote parecia tão feliz... tão meigo... tão em paz com a vida. Porque raio haveria ele de fazer o que fez?! Porquê?!"
Não há nada que possa dizer. Não quero pôr-me com filosofias baratas ou frases cliché. Encho de novo a caneca com chá de limão.
"Bebe."
"A vida é um absurdo. A morte é um absurdo. É tão fácil esquecermo-nos disso... mas quando nos relembramos... dói."
Comecei a chorar.

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