segunda-feira

D01.05:35

Oiço um compulsivo choro. Ela está ainda acordada. Faço um esforço para abrir os olhos, para despertar minimamente. Olho para o relógio. É cedo. Demorei duas horas para a trazer para a cama e sossegá-la o suficiente para ficar confortável e sem chorar. Suponho que não tenha adormecido. Todo este processo tem posto o nosso casamento num verdadeiro teste de resistência. Quero pensar que estamos a conseguir ultrapassar esta situação horrenda. Não me quero iludir. Amo-a.
Acendo a luz do candeeiro na mesa de cabeceira. Abraço-a. Ela chora incessantemente, quase num estado de espasmos consecutivos. Os olhos estão vermelhos, a camisa de dormir molhada e os dedos com sangue. Tem roído as unhas constantemente e mordido os dedos. Também tem arrancado cabelo. Isto está a destruí-la. Não vejo nenhuma vontade de lutar, nenhuma esperança sequer. Não sei o que fazer. Os médicos insistem em aumentar a medicação, mas recuso-me a transformá-la numa drogada ou num "vegetal". "O tempo cura todas as feridas" disse-me a minha mãe. Quero acreditar, mas parece-me que o tempo apenas abre ainda mais cortes, provoca ainda mais lesões.
"Tenta acalmar-te. Sabes que estares neste estado não ajuda em nada. Eu sei que se conseguisses não estarias assim, mas faz um esforço, um verdadeiro esforço para te acalmares e ultrapassarmos isto. Diz-me o que queres, o que precisas. Amanhã não vou trabalhar outra vez. Fico contigo, podemos ir de novo ao jardim como tanto gostas. Faz-te bem recordar. Mantém-te sã. Imagina que ela volta, e ela voltará, não queres que te veja assim, pois não? Não queres que ele estranhe a sua própria mãe, pois não?"
Olhar apático, vazio, inundado. Por vezes questiono-me se ela sente de facto ou se a dor tornou-a num ser oco. Talvez exista um limite humano para suportar este tipo de angústia e ela ultrapassou-o. Eu bem me sinto perto desse limite. Mas não posso sucumbir, não posso desistir, não posso sequer distrair-me. E por isso pareço frio, indiferente, como se não fosse minha filha também, sangue do meu sangue. Talvez seja este o preço para manter algum controlo.
Já tive alguma da "compensação" necessária. Não me arrependo de nada. Só estando na minha posição é possível compreender. Só vivendo isto...

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