terça-feira

D01.10:51

A voz radiofónica do condutor anuncia o meu destino. O jovem militar sentado ao meu lado dorme pacificamente desde que entrei no comboio. O descanso merecido depois de dias de intenso treino e esforço físico. Visto de perto, este soldado é humano. Frequentemente a humanidade de uma guerra, de um confronto dissipa-se no meio de dados estatísticos. Mas aqueles números, aquelas "baixas" são pessoas, são vidas, são filhos, são maridos, são pais...
Levanto-me e tento não acordar o jovem recruta. Outras pessoas estão já de pé, aguardando impacientemente que o comboio pare para continuarem o resto das suas viagens. Os travões chiam. O movimento é interrompido lentamente. Pára. As portas abrem-se. Está um óptimo dia. Sinto-me incrivelmente bem. Dezenas de pessoas dirigem-se para a saída da estação com as malas às costas, outras abraçam os seus familiares e amados. Existe uma intensa carga emocional nas estações de comboios. Em cada linha, em cada carruagem, em cada chegada ou em cada partida, uma diversidade imensa de sensações e sentimentos. A tristeza dos que partem contrasta com a felicidade dos que chegam. Respira-se vida entre os carris e as carruagens.
Saio da estação e vislumbro a cidade que recordo tão intensamente. Nada mudou. O branco continua branco e a água ainda corre na antiga fonte. Os bancos vermelhos estão ocupados por velhotes que conversam sobre o Benfica e sobre Governo, como se o mundo não se movesse constantemente. Suponho que a partir de uma determinada idade o mundo abrande a sua velocidade. Não existe morte, apenas uma alteração do ritmo de vida.
Passeio pelas ruas de pedras negras olhando todas as janelas e todas as portas. Todas as plantas e todos os rostos. Não consigo compreender como tudo me parece familiar, como se eu fosse todas estas pessoas, toda esta cidade. Sou uma rapariga da cidade que se sente em casa quando está noutro local. Nada muda.
Cheguei a um pequeno parque que se estende até uma planície que define o horizonte. Alguns carvalhos e outras árvores que não consigo identificar. Algumas têm pequenas flores brancas e amarelas. Deito-me à sombra. A relva está fofa e pica-me os braços. O céu está preenchido por um azul imberbe que me faz mergulhar num sossego imperturbável. Abro o caderno... «o céu azul nunca poderá ter outra cor».

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